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domingo, 7 de novembro de 2010

Travessia

Em poucos minutos, o fogo consumiu toda a matéria humana que cobria aquele corpo cheio de vaidades.
Uma nuvem esbranquiçada de fumaça subiu até o teto, ficando no fundo do forno um tanto de cinzas suficiente para encher uma pequena caixinha de latão.
Agora o ser era como uma ave no ovo.Sem asas e sem canto.Uma ave no mundo ovo.
Presa por uma corrente no fundo da embarcação, uma gaiola de musgos resguardava-o em sua travessia, ainda sem saber exatamente para onde.
O barqueiro, um homem vestido de negro, não remava. Apenas conduzia a barca, deixando o manejo dos remos por conta das criaturas que atravessavam com ele, naquelas águas turbulentas e escuras. Em pé, de braços cruzados, fitava- os com seus olhos de fogo, sem nenhuma expressão.
Nem o vento cortante, ou as ondas que se levantavam respingando em todos os passageiros, conseguia apagar aquelas duas brasas acesas nas cavidades orbitais de seu rosto esquálido.
A ave já emplumada no mundo ovo, aos poucos adquiria um pouco de consciência. Sentia o balanço das remadas, a umidade do ar. O seu casulo de tempos passados, parecia estalar a cada braçada mais forte dos remadores condenados. O espaço que ocupava tornava – se menor, à medida que se aproximavam da margem. Não era dor o que sentia. Mas para respirar de novo, precisava fazer algum esforço. O seu peito ardia e dentro dele algo batia de leve.
Medo. Era medo o que a fazia tremer nas pernas ainda dobradas na posição de feto. Não sabia o que a esperava quando chegasse ao seu destino.
Mas nem tudo era desespero. Do outro lado do rio, talvez logo pudesse reencontrar o pássaro de vôo olímpico, que já havia feito a sua passagem.
Ambos guardavam um segredo:  poemas e  violetas azuis.
Será preciso que ele pouse novamente em suas mãos, para que o céu e a terra se toquem, e ela ganhe asas também.

Terezinha Manczak

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