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domingo, 7 de novembro de 2010

O JARDIM SUSPENSO DOS MORTOS

Meu corpo pesa sobre a fria mesa de uma sala desconhecida e ao mesmo tempo flutua sem esforço e alheio à minha vontade.
Não consigo abrir os olhos, mas percebo movimentos ao meu redor. Sei e nada faço. Silencio, enquanto o grito que contenho sufoca - me ainda mais.
Alguns vultos dançam em minhas retinas enclausuradas, sem formas e sem nomes.
Um homem de branco me conduziu até aqui. Foi a última imagem que guardei após ter ouvido o ruído surdo de uma rajada de metralhadoras. O Carro Forte. O furgão amarelo no estacionamento do Banco.
Não ouço vozes. Apenas um som longínquo que lembra o vento ou pios de pequenas aves. Algo como cânticos, música suave ou sussurro de crianças.
Sempre pensei que ficaria furiosa e revoltada ao saber - me morta. Mas o que sinto agora, ou o que não sinto, é calmo e inesperado
Queria mais tempo  na Terra. Uma vida que acaba assim , como um cristal que se quebra, ao meio dia de uma terça-feira de sol e de tantas coisas por fazer.
Deixei o jardim sem poda, a roupa por pendurar, as contas sem pagamento. O conto pela metade e as visitas ao meu pai, mais uma vez adiada.
Sei que mandarão roçar o gramado; as dívidas, o seguro cobre.O conto, será retirado da máquina de escrever e jogado no lixo. Não fará falta alguma. Era só um conto. Só um faz de contas. As roupas, centenas de vezes mais serão batidas, centrifugadas e penduradas nos varais. O pai, dói não tê-lo poupado disso.
Enterrar. Essa palavra , sim, me apavora. O escuro. O vazio. Os vermes.
Prefiro o fogo. A cremação do corpo. As labaredas consumindo meus ossos e minha carne ainda jovem, tão quente e macia.
No crematório, imagino uma cena de puro ilusionismo. O caixão que desliza por baixo de uma cortina e que desaparece.
Um corpo em chamas. Um clarão. Um punhado de cinzas e um pouco de memória.

Terezinha Manczak

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