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segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

A casa poética


A casa poética
Terezinha Manczak

(para o Otto)

Não existe casinha mais poética que uma casa de pescador. Tudo nela se reveste de simplicidade, cheiros, cores e sons. Nela se descortinam madrugadas frescas e douradas de aurora, com a água do mar batendo quase na porta da cozinha. Pelas janelinhas de madeira com tramelas simples, entram o rumor das ondas e a brisa do ar marinho. E quando um assovio mais forte no meio da noite açoita as paredes do quarto, o morador fecha os olhos com força e evoca lembranças de velas brancas e moças de pele morena. Lembra de cardumes cintilantes passando ao lado da embarcação.
Na cozinha, de chão cimentado com areia do mar e resíduo de conchas, pouca coisa é necessária. Basta uma pia para limpar o peixe e lavar a louça. Um pequeno fogão a gás, uma geladeira e uma mesinha para apoiar os pratos. Armários de madeira guardam a louça, panelas, copos e talheres. Do outro lado, um forno de tijolos para assar o pão. Um fogão a lenha com grelha e chapa de ferro para uma caldeirada, ou um feijão preto para os amigos. Uma rede de algodão, presa entre dois ganchos, estica os dedos de fios grossos para aliviar o cansaço do marujo, que chegou às seis da tarde. Uma velha canoa, pendurada na parede externa da casa vizinha, guarda em seu casco sinais e marcas do tempo. Histórias de amor e perdição. Ondas mansas e bravias, tempestades, trovões, naufrágios, salvação e morte.
Tenho um amigo que mora numa casinha assim. Geralmente são caiadas de branco ou verde, artísticamente decoradas com madeira de demolição. Paus roliços recolhidos das vazantes podem virar pernas de mesa ou corrimão de escadas.
Ele não vive da pesca. Mas vive do jeito simples e ecológico, que vivem os homens do mar. Em terra firme, ele constrói seus barcos. Enquanto trabalha a madeira e as cartas de navegação, planeja a próxima aventura, que tanto pode ser para Ilha Bela como Londres. Mar ou ar, tanto faz. Ou ainda para a Austrália, Havaí ou a Patagônia. Mas, no seu cantinho de mundo, protegido por enormes pedras e mata nativa ninguém é mais poeta do que ele. Quando escreve fala de maçãs e soldados, crianças abandonadas, hipocrisia e solidão.
Ao anoitecer, antes de fazer uma leve refeição, toma um banho de água gelada que vem direto da fonte. Acende pequenas tochas de querosene, para não ofuscar a luz da lua cheia. Deita-se na rede vermelha, toma o violão entre os braços e dedilha mais uma canção de amor.
Terezinha Manczak

4 comentários:

  1. lindo texto!
    mas confesso que o que me motivou a ler foi a dedicatória ao "otto", pois é o nome do meu filho recém nascido [4 meses].
    abç
    james beck

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  2. Muito cativante seu texto, Terezinha! Adorei...
    A propósito... Você já pensou em juntar sua prosa (Como essa da casa poética, por exemplo) em um video (curta metragem), apoiado pelo fundo de cultura? Ao ler este seu texto, logo imaginei um desenho ou animação... Fica aqui a sugestão de projeto... Grande abraço e sucesso, Ricardo Brandes!

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  3. Oi Tere

    Estava devendo uma visita desde que você deixou comentário tão doces e poéticos nas minhas fotos. Obrigada.

    Bonito o texto. Adoro paisagens à beira mar. Tão simples e tão imenso.

    Beijos

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